domingo, 6 de fevereiro de 2011

a casa dos meus sonhos

Ontem comecei e acabei de ler um livro que há muito tempo esperava: "Enchamos tudo de futuros", da Rita Wemans. Houve um texto que me tocou mais: falava que a casa dos avós era mágica, "não mágica no sentido do termo, mas mágica por ser especial".

Quando penso em Avós sinto-me sortuda por poder ter três avôs e três avós. A minha relação com os avós maternos não é de todo a melhor, mas as outras duas compensam tudo. Cresci e passei grande parte da minha infância em Urgezes. Morava com a "bó" Aninhas e com o "abô" Domingos, e na casa ao lado tinha a "Avó Céu" e o "Avô João", ou a Céuzinha e o Joãzinho, os meus avós do coração.
Do avô Domingos e do Joãozinho tenho poucas lembranças. Morreram em anos seguidos e eu ainda era pequenina. Curiosamente, tenho mais lembranças do Joãozinho que do avô Domingos, se calhar por ele trabalhar fora da cidade e por estar pouco tempo em casa. No entanto, por ser a mais nova deste lado da família sempre senti, e lembro-me bem disso, um carinho especial da parte dele. O Joãozinho era SÓ a pessoa mais culta que eu já conheci até hoje. Era ele que me ajudava todos os dias nos trabalhos de casa, que me explicava tudo na idade dos porquês, que perdia tardes e tardes a ler-me coisas que escrevia à Céuzinha quando se conheceram e namoravam, mesmo quando não estava com paciência para perguntas ou estava doente.
Sim, sem dúvida que a casa dos avós é mágica. Hoje parte-me o coração não poder entrar na casa onde morava, mas a casa dos avós do coração está e sempre vai estar aberta para mim. E entrar ali, e sentar-me no sofá, e ver fotografias minhas por todo o lado, e manter vivas as relações com os "primos e tios do coração" fazem-me sentir parte daquela que nunca foi mas há de sempre ser a minha outra família.
Já se passaram muitos anos desde que saí de Urgezes, já cresci e já não sou a traquina que nunca estava quieta nem calada, mas isso não me impede de ficar nostálgica sempre que me lembro da bó Aninhas a berrar por eu chegar a casa tarde e toda suja, e de lhe fugir a chamar-lhe analfabeta, de ir para o campo jogar à bola e de ser a Nuna Gomes, de saltar pelo muro para ir para casa da Céuzinha nem de quando tinha que ir jantar me esconder sempre debaixo da mesma mesa, nem de despejar arroz dentro do balde com o bacalhau de molho, nem de chegar a casa e dar socos à porta para ma abrirem, ou de subir para o banquinho de pedra e colar o dedo à campainha, ou de em último recurso entrar mesmo pela janela. É disto que mais tenho saudades. Disto de ser e de poder ser criança, e só lamento por nunca ter conseguido fazer a fonte João I no quintal, em parceria com o meu primo do coração e sócio Hugo, com quem fundei a empresa HugoAna.
Ainda hoje, quando me sento no sofá da casa da Céuzinha, é inevitável cruzarmos o olhar e perguntarmos em voz alta o porquê das pessoas boas e de quem mais gostamos morrerem, e as más não. "Como o Quinzinho muletas, que me acorda sempre de manhã cedo com a música nas alturas, esse é que devia morrer", parece que ainda me estou a ouvir a falar, de voz esganiçada e com muita dificuldade em dizer os L e os R :)
Eu podia ficar aqui horas e horas a escrever do que o meu tempo de miúda significa para mim, mas nunca mais ia acabar. Sim, a casa dos avós tem e faz magia.


"E agora, mesmo que a meninice tenha começado a ir embora da minha vida ela continua mágica e encantada"